Você sabe o que é gênero de ficção?
Já parou pra pensar nisso?
Muito se fala em horror, terror, suspense, thriller, fantasia, ficção científica etc. Tenho quase certeza de que você acha que isso é sobre tipos de história, estou certo? Se sim, devo lhe dizer que não exatamente.
A criatividade de um artista é como um cavalo indomável que não aceita rédeas. Dificilmente a nossa imaginação funciona desse jeito: “agora eu vou escrever um romance histórico!” ou “vou escrever um roteiro de ficção científica”. Não, a história vem primeiro e é encaixada em um gênero depois. Na verdade, geralmente temos uma ideia bastante simples; algo como: “e se meu guarda-roupa fosse um portal para outro mundo?”
Sim, sei que você pensou em Nárnia, mas eu não disse que mundo seria esse, disse? E se fosse o inferno? O portal poderia te levar para um dos círculos infernais da Divina Comédia de Dante, onde você tentaria resgatar a alma atormentada de um amante que cometeu suicídio. Olha que barra pesada! Talvez esse portal te levasse para um mundo altamente futurista e tecnológico, em que você tivesse que lutar contra um déspota, cuja sede de poder coloca em risco a própria existência do universo… Esse é mais ou menos o enredo de A Torre Negra, não?
Qualquer ideia, absolutamente qualquer ideia pode ser transformada em uma história de qualquer gênero. Se eu, como autor de histórias de horror e fantasia, por exemplo, quisesse criar uma narrativa macabra usando a premissa de O Jardim Secreto, conseguiria fazer isso facilmente (inclusive, ideias…).
“Então o que é gênero, afinal de contas?”, você deve estar se perguntando.
A resposta é uma coisa muito boba: gênero é sobre expectativa! Sim, isso mesmo. Quando alguém diz para o leitor, espectador, jogador ou seja lá que nome se dê à audiência de determinada história que ela é um drama, um horror ou uma love story, está criando expectativa; está fazendo uma promessa a respeito do tipo de coisa que será encontrada naquela história e isso, meus caros, é fundamentalmente mercadológico. Não tem nada a ver com criatividade.
Alguma vez você já pegou uma história que estava classificada como “horror” e ficou um pouco confuso porque deu algumas risadas e achou que estava mais para uma comédia? E aquele romance que mais parecia um drama?
Pois é, isso é muito comum. Muitas vezes a gente acaba de escrever uma história e se depara com a dificuldade de classificá-la em um gênero. Quando isso acontece, costumamos recorrer às convenções, mas não é raro que convenções de gêneros diferentes, às vezes até opostos, encontrem-se misturadas em um mesmo enredo. Essas categorias são imprecisas e acabam gerando ramificações como “terrir”, “comédia romântica” ou a salada de gêneros que a gente vê de vez em quando nas sinopses da Netflix: “drama, romance, suspense, terror”, tudo junto num filme ou série só.
Isso acontece por causa do mercado. Quando você tem um produto nas mãos, precisa dar um jeito de vendê-lo. Lembra que eu disse que gênero é sobre expectativa? De certa forma, uma promessa? Pois bem, ninguém quer frustrar um cliente quebrando uma promessa, né? Imagina só, a pessoa vai ver um filme esperando sustos e sai de lá com a glicemia alta de tanta melação!
Não vai dar certo. Por melhor que seja o filme (e ele pode mesmo ser muito bom), a pessoa ficará frustrada e provavelmente não vai recomendar nem querer repetir a experiência.
Gênero, em última análise, não é coisa para um grupo de especialistas pomposos, como pode parecer a princípio, mas para o consumidor final. É uma estratégia de marketing, que começou no mercado de livros, no final do século XVIII, e se estendeu para outras mídias. Hoje, no caminho inverso, é o audiovisual que dita muitas das convenções de gênero, de maneira que os livros apenas tentam acompanhar.
Se é justo? O mercado não é justo, baby…
Acompanhe-nos para mais conteúdos assim.